O Que Ensinamos Aos Nossos Filhos?
Ele estava sentado na sala, absorto na matemática cruel das dívidas empilhadas em forma de papéis sobre a mesa. A calculadora metralhava números ferozes ao lado de uma xícara de café já frio. A pergunta dolorosa martelava em sua mente como um mantra: “Como vou me livrar disso? Como vou me livrar disso? Como vou me livrar disso?”.
_ Pai, o que é felicidade? a voz da filha que brincava com uma boneca de pano sentada ao lado da mesa, no chão da sala, por um momento o livrou daquele pesadelo.
_ Felicidade é quando você sorri, quando você está contente, quando você está fazendo o que gosta, quando coisas boas acontecem com você, quando você conquista o que deseja...
_ E a tristeza?
_ Tristeza é o contrário disso tudo, minha filha. É quando você chora, quando está chateada, quando tem que fazer algo por obrigação, quando coisas ruins acontecem com você, quando você se sente frustrada por não atingir um objetivo...
A menininha de quatro anos coçou os cabelinhos cacheados, mexeu nos botões de seu vestidinho cor-de-rosa, ajeitou a boneca que agora dormia sobre uma almofada e depois colocou as mãozinhas no queixo, cismarenta. Observou o pai que retornara ao seu mundo cruel, golpeando a calculadora com os dedos, como se ela fosse culpada por tantos problemas.
Levantou-se e abraçou o pai ternamente, dando-lhe um beijo demorado no rosto, alisando-lhe a barba.
O pai sorriu retribuindo o carinho e voltou a golpear a calculadora, com o mantra buzinando impiedoso em sua mente: “Como vou me livrar disso? Como vou me livrar disso? Como vou me livrar disso?”.
A menininha voltou a brincar com sua boneca, com os olhos atentos na tensão que a fisionomia do pai expressava. De repente quebrou o silêncio que gritava naquela sala, com a voz miúda, de criança que não compreende as coisas:
_ Pai...
_ Sim, minha filha...
_ Se estamos tristes, como ficamos alegres?
O pai estava prestes a perder a paciência. Respirou fundo e olhou para a filha, dizendo em tom de quem quer colocar a conversa por encerrada:
_ Ficamos alegres quando coisas boas começam a acontecer...
A filha não se deu por vencida:
_ Você está triste?
_Não, minha filha! Estou preocupado, tentando resolver algumas coisinhas aqui. Só isso, tudo bem?
_ Preocupado é bom?
Ele largou a calculadora, virando-se para a filha que, sentada no chão da sala segurando sua boneca, penetrava-lhe a alma com seu olhar inocente. Suspirou e respondeu:
_ Não, minha filha. Não é bom. Mas eu preciso resolver essas coisas aqui. Vá brincar com sua boneca...
_ Pai, eu não entendo. Se não é bom, é ruim. E ruim vem de triste...
_ Tudo bem, minha filha. Seu pai está triste! disse ele, encerrando o assunto e voltando-se definitivamente aos seus papéis.
A menininha pegou a boneca de pano e se levantou. Lembrou do carinho que, há poucos minutos, havia oferecido ao pai. “Ficamos alegres quando coisas boas começam a acontecer” a frase que o pai havia pronunciado feria-lhe a alminha. Jogou a boneca sem cuidados em cima do sofá, dizendo em tom severo:
_ Não, Margarida! Carinho não cura tristeza!
O pai, mergulhado em seu universo cruel, não ouviu a lição amarga que havia acabado de ensinar à menininha linda de cabelinhos cacheados que usava um vestidinho cor-de-rosa.
Libério Lara
Olá Pessoal,
É com grande alegria que inicio hoje, a primeira postagem do meu querido autor/parceiro/amigo Libério Lara que nos faz refletir sobre O Que Ensinamos Aos Nossos Filhos?
Os que ainda não o conhecem podem saber um pouquinho mais sobre esse excelente escritor no post de apresentação acessando http://www.apaixonadaporlivros.com/2011/06/o-menino-que-gostava-de-escrever.html
Gostou?! Gostaríamos muito de saber a sua opinião!
7 comentários:
UAU!
No dia que faço uma postagem também falando sobre filhos, vejo essa bela postagem do nosso amigo Libério.
Vcs dois como sempre me surpreendendo, ele com sua escrita e vc Marcinha com seu S2 gigante!
Parabéns pra vcs dois!
bjus
Esqueci, quase que dava para criar um link, com essa postagem, e o que escrevi hoje, sobre: Se eu pudesse voltar o tempo... trabalharia menos para lhes dar o mundo e me esforçaria muito mais para lhes dar o meu mundo...
parabéns Liberio ate eu que ñ tenho filhos fico pensando no que passo para as crianças ao meu redor
Lindo, lindo e lindo esse texto!
Parabéns ao autor e a você também Má!
Ainda não tenho filhos, mas é super importante compreender a maneira que passamos as coisas para eles. Até porque, isso tem um grande reflexo na cabeçinhas deles!
Beijokas
Lindo conto Libério!O estresse do dia a dia, nos faz maltratar- inconscientemente - a quem mais nos ama.
Nossos filhos, são nossa vida e a paciência é um dom, que com os dias atuais a maioria das pessoas não tem.
Ele nos faz refletir, nos corrige e nos incentiva a mudar nossas atitudes.Parabéns Marcia e Libério. Beijos :)
Uma bela postagem com um tema melhor ainda. Adorei o texto, parabéns ao autor. bjs, Rose.
Parabéns Libério, pelo ótimo trabalho!
É com muito prazer que começo a ler suas crônicas hoje :)
Márcia, nós leitores ficamos agradecidos com a presença e espaço que você separou para o autor no seu cantinho!
Adorei, e o que a gente fala, os pequeninos pegam rápido mesmo né!
Os filhos são sempre o futuro do mundo, é necessário toda a preocupação com o que soltamos e ensinamos à eles.
beijo,
Aninha - Ofício dos Livros
Postar um comentário